segunda-feira, 27 de julho de 2015

Sobre florescer


Você foi o príncipe do cavalo branco que eu tanto esperei, mas eu não consegui despertar do meu sono profundo, nem depois do beijo.
Mas você plantou uma semente.

Para você, esse solo era infértil.
Você não observou direito, não foi paciente, não viu que existia ali, a possibilidade de florescer,  por isso foi semear outros solos.
Mas eu floresci.
Floresci tarde demais, mas floresci.
Floresci flores tímidas, discretas, mas floresci.
Floresci quando você já não estava aqui, mas floresci.

Você não regou as minhas flores, por isso elas murcharam, para em seguida, caírem.
Eu cheguei a pensar que já não tinha mais jeito: aquele era o fim.
Mas meus caules e folhas, ainda verdes, foram o suficiente para chamar a atenção de uma esperança que resolveu descansar naquele canteiro zumbi.
E essa esperança estava guiando um rapaz que há tempos havia se perdido.
Ela fez com que ele cuidasse do canteiro

Ele prometeu à esperança que viria todos os dias espantar as pragas e regar a planta, se em troca ela continuasse ajudando-o a encontrar o seu caminho.
Assim, dia após dia, o rapaz veio me visitar.
Até que um dia eu floresci de novo.

As minhas pétalas eram dessa vez mais fortes.
O aroma que saía delas era menos adocicado que o das anteriores, portanto mais sutil e agradável. Suas cores já não eram monocromáticas, à primeira vista não era possível definir a cor delas, e mesmo à uma segunda vista, não era fácil dizer quantas cores haviam ali.
As flores se pegavam "cantando sem mais nem porquê" como diria Chico.

E foi numa dessas que você, em um de seus raros passeios matinais, ao ouvir tal cantoria, resolveu se aproximar para ver do que se tratava.
A cada passo sentia certa familiaridade com o lugar, até lembrar-se que de fato já estivera ali. Aliás, já jogara uma semente ali.
Foi aí que se surpreendeu;

Deparou-se com um canteiro cheio de exuberantes flores.
Perdeu a fala.
Não podia crer que a semente que havia jogado ali, sem compromisso algum, resultara em flores tão lindas.
Quase que numa tentativa de compensar o tempo perdido, quis regar flores tão lindas.
Mas trazia consigo apenas o regador que usava para regar um outro canteiro de flores que certamente se enciumariam caso soubessem que aquele regador regara outras plantas.

Nessa hora, o rapaz da esperança chegava para mais uma de suas visitas diárias, munido do regador que usava especificamente para as minhas flores, não porque elas se enciumariam de outras, mas porque não haviam outras flores, aquelas eram as únicas das quais cuidava.

Ele já não regava e espantava as pragas em troca de encontrar o seu caminho.
"A esperança me mostrou que o meu caminho é esse que eu faço todos os dias, sem falta, da minha casa até este canteiro de flores, e todos os dias, ao encontrá-lo, eu me encontro." - já havia percebido o rapaz.

As flores, ao verem o rapaz, coloriram-se ainda mais, perfumaram-se ainda mais, conseguiram embelezar-se ainda mais.

O semeador não continuou ali por nem mais um minuto.

O rapaz da esperança permaneceu ali, mesmo quando era outono.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Medo de tudo, medo do nada.


E se eu te disser que eu tô com medo?
Parece que a qualquer momento alguém vai me roubar de você.
Eu que era tão sua até outro dia.
Eu que estava tão apaixonada pela ideia de ter você me chamando de "minha".

Me sinto insegura, indecisa.
Parece que a possibilidade de eu não te ver de novo se torna cada vez menos assustadora.
Parece que logo logo eu vou me esquecer de tudo.
E quando eu digo tudo eu falo sério.

Se esse presságio se consumar, em alguns meses talvez o milagroso fato das nossas vidas terem se cruzado se tornará algo que nenhum de nós dois sentirá necessidade ou vontade de lembrar.
Como vai ser quando alguém falar o seu nome perto de mim e eu pensar no primo de 3 anos da minha vizinha em vez de pensar em você?

O gosto do seu beijo, que vinha do nada, nos mais aleatórios momentos do dia, me fazendo parar o que quer que eu estivesse fazendo, eu sinto cada vez mais fraco, cada vez menos desnorteante.
A minha blusa com o seu cheiro eu já lavei três vezes, o perfume que eu sinto é puro fruto da minha sinestesia.

Eu tenho tentado alimentar algo que não tem fome de nada.
Na minha ingenuidade, cheguei a pensar que o problema estava no alimento, nunca em mim, nunca em você.

Apesar de sempre achar que 24 horas é pouco demais para o que exigem da gente em um dia, cada hora longe de você pareceu infinita, e de infinito em infinito eu cheguei até aqui.

E você bem sabe que eu sou obcecada por tudo que questiona a rigidez da distância e do tempo.
Você sabe.
Eu te contei.

Você sabe e mesmo assim o fato de eu estar aqui e agora prestes a discursar sobre a Teoria da Relatividade não te diz nada.
O fato de eu ter medo de não sofrer por não mais te ter na minha vida não te diz absolutamente nada.

E a nossa geração acredita mesmo nisso: não sentir nada é a resposta para tudo.
A gente não entende que anestesia é só pra quem sente dor.
Mas ninguém sente dor, somos todos viciados em anestesia.
E, meu amor, no final é isso o que dói mais:
Pensar que a gente não sentiu nada.
Nem dor sentimos.
Não sentimos nada.
E mais do que tudo, o nada me amedronta.

A minha avó, que é de outra época, disse que o tempo cura tudo.
Mas há algo aqui que precise ser curado?
Talvez os meus medos.
Mas tempo é algo tão relativo.
O tempo pode ser tudo.
O tempo pode não ser nada.
E no momento eu tenho medo de tudo e eu tenho mais medo ainda do nada.
Eu tenho medo do tempo.